O mundo desconhecido das apostas ilegais no ténis

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São muitos os milhões de euros que o ténis profissional movimenta, provenientes de patrocínios e da venda de bilhetes e dos direitos televisivos, que crescem propocionalmente à importância do torneio, com as quatro provas do Grand Slam à cabeça. Mas há outras verbas ainda mais avultadas geradas pelo ténis. A realização dos torneios profissionais mexe com o mercado de apostas online e, durante os Grand Slams, chegam a movimentar mais de 700 milhões de euros, nem todos de forma lícita. Um problema que já se arrasta há alguns anos e que a Tennis Integrity Unit (TIU) combate nos bastidores.

Existem dois tipos de apostadores ilegais que podem ser encontrados a assistir a um encontro de ténis profissional: os adolescentes, que apostam através do telemóvel, e são avisados a não utilizar mais o aparelho; e os totalmente profissionais, designados de “courtsiders”. O trabalho destes é transmitir dados do jogo em tempo real a quem está apostar, muitos vezes a milhares de quilómetros de distância. Usam aparelhos manipulados através de sensores, dissimulados debaixo da roupa, ligados ao smartphone, através do qual dão informações aos sindicatos de apostas; um ou dois toques, num código previamente combinado, indicam qual o jogador que ganhou o ponto. Do outro lado, está alguém a apostar valores elevados, com a certeza de que vai ganhar. Há ainda o perigo dos “courtsiders” obterem outro tipo de informação que não está disponível ao público em geral e que pode influenciar as probabilidades de uma aposta, como, por exemplo, uma lesão de um jogador.

A detecção destes “courtsiders” é uma das missões da TIU, entidade formada em conjunto pela International Tennis Federation (ITF, responsável pela organização da Taça Davis, Fed Cup e torneios do Grand Slam), ATP e WTA, que gerem os circuitos profissionais, respectivamente, masculino e feminino. A organização é independente, tem um orçamento superior a dois milhões de euros e pode requisitar registos de chamadas, computadores e de viagens, mas não pode fazer detenções.

A política de tolerância zero quanto à corrupção no ténis profissional levou a TIU a criar uma equipa de “spotters” que viaja por todos os cantos do mundo onde há torneios da ITF, WTA ou ATP, se misturam com o público e tentam detectar espectadores com comportamentos suspeitos: não aplaudem, excesso de roupa, gestos repetitivos, mãos quase sempre nos bolsos… embora já tenham sido encontrados aparelhos nos sapatos, accionados com apenas um ligeiro movimento dos pés.

Após a detecção de um espectador suspeito, o “spotter” informa a equipa de segurança do torneio. Levado para uma zona mais recatada, identifica-se o adepto, confrontam-no com um meio de prova (geralmente, uma gravação vídeo do seu comportamento) e tenta-se que admita a violação das regras, recorrendo à ameaça de chamar a polícia. Sempre com algum cuidado, pois se um segurança lhe tirar o telemóvel é roubo ou se fechá-lo numa sala isolada, pode ser acusado de sequestro. Claro, que também já houve seguranças mais “zelosos”, que recorreram à agressão física, para demover as intenções dos “courtsiders“.

Os sinais de proibição e os avisos escritos nos bilhetes, de que não é permitido utilizar continuamente aparelhos electrónicos nas bancadas, são suficientes para que não possam alegar desconhecimento das regras. Mas os profissionais sabem que não podem ser revistados ou que os meios de prova são parcos para uma acusação criminal – em Itália, foi apanhado um “courtsider” que estava acompanhado de um advogado; outro, Brad Hutchins, foi apanhado em flagrante durante um Open da Austrália, mudou de vida e escreveu um livro (“Game, Set, Cash!”) no qual revela muito deste mundo. O mínimo que a organização de um torneio pode legalmente fazer é expulsar o “courtsider” do torneio, mesmo que o tenha de ressarcir do valor pago pelo bilhete.

O papel da polícia depende do país e da legislação específica aí existente, que pode originar um processo criminal. No estado de Victoria, onde decorre, em Janeiro, o Open da Austrália, foi aprovada uma lei que permite acusar os suspeitos de terem este comportamento. Mas esta é uma excepção às regras vigentes em quase todo o mundo, onde a simples transmissão de informações sobre um jogo não é crime.

Este é um fenómeno global e praticamente imparável dado o vazio da legislação na maioria dos países e também da falta de condições em torneios de menor dimensão, como são os da categoria “future”, onde a segurança é inexistente devido aos orçamentos baixos – daí que este tipo de torneios tenham deixado de figurar em algumas casas de apostas.

Como os contadores de cartas nos casinos, os “courtsiders” não são bem-vindos e muitos deles, já identificados, são proibidos de entrar em torneios em qualquer parte do mundo, embora muitos recorram a perucas e outros disfarces para entrar nos recintos. Esse trabalho é facilitado em torneios maiores, onde os adeptos têm de se identificar ao levantar os bilhetes. Centenas de pessoas já foram identificadas, mas o mais difícil são os outros tantos que ainda não o foram. Ou os que conseguem actuar fora dos recintos, como os “courtsiders” que são detectados nas varandas de apartamentos ou hóteis com vista para os courts e a acompanhar, através de binóculos, tudo o que lá se passa.

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